sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Carece de ter coragem


O bacana é que a grande maioria das coisas que a gente pensa já foram refletidas ou ditas antes. Isso nos permite três possibilidades: pensar o que os outros já pensaram, novamente; não pensar – queria poder optar por esta –; ou pensar coisas inéditas. Neste caso, irei optar por fazer uma reflexão sobre as idéias de Riobaldo, personagem de João Guimarães Rosa, em Grande Sertão Veredas que, apesar da sua simplicidade, teve um dos pensamentos mais sábios que eu já conheci: “Carece de ter coragem, muita coragem...”, dizia ele e complementava com suas impressões sobre o mundo e as pessoas que dele fazem parte: “Tanta gente – dá susto de saber – e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons. De sorte que carece de se escolher: ou a gente se tece de viver no safado comum , ou cuida só de religião só... todo mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: pra se desindoidecer, desdoidar...”

Também “careço desdoidar”. Também quero tudo isso... e mais! Eu quero “comida, diversão, balé...”, quero deitar na rede e olhar pro mar, quero fazer amor, quero casa e quero férias! Quero ganhar dinheiro trabalhando naquilo que eu gosto, quero família, quero comer sem culpa e quero viajar! Todos nós queremos, logo, estamos doidos? Não estou convicta de que a religião me fará exitosa nesta tentativa de “desdoidar”, posto que não dá margem a dúvidas, mas pode ser um bom começo, quem sabe... Talvez eu tenha mais sucesso se me enveredar para os lados da filosofia. Ambas, filosofia e religião tratam das mesmas questões, dando explicações diferentes em busca de alguma verdade. Avesso a religião, acho que Nietzsche foi muito radical ao proclamar que “Deus está morto”. Sou simpática às possibilidades de mudanças constantes de idéias, de percepções e de quereres... Como diria o filósofo “só sei que nada sei!”

Preciso compartilhar esta minha condição “endoidecida” pra buscar coragem em decisões que são inevitáveis, envolvem riscos e por isso “carece de ter coragem” para tomá-las... Sabe o que mais? Eis aí a graça de viver! A verdadeira existência de Deus está na perspectiva de saber que podemos optar, decidir, mudar de idéia,voltar atrás, fazer o óbvio ou o inusitado, não querer mais e surtar de vez em quando... livre arbitro! E se nem sempre for a decisão correta – ou a que os outros julgam ser o mais normal – o importante é ter arriscado e saber que haverá outras decisões a serem tomadas, sempre, e que, a partir dos erros, acertos, loucuras e devaneios, vamos nos tornando pessoas cada vez melhores e vamos criando possibilidades para que os que vierem depois de nós concertem o que ficou torto!

Foto: vista da casa da mãe para o RS, do outro lado do Rio Uruguai

Um comentário:

Ernesto disse...

Fico pensando quando te leio de como existir e criar são fundamentais e gêmeos no Universo.
Não há nada do que tirar nem por neste teu criar.
Teu criar se torna o eu-que-diz, e diz tudo.

Se posso refletir junto com você, não acredito no que você pensou como religião.
Não há para mim opção entre religião e filosofia, e loucura...

Religar-se é ser louco e surtado o bastante para se acreditar que se está filosofando com Deus a todo momento.
Que é Ele que me disse hoje(não meu alter-ego) que eu deveria bem de abrir o Blog da Carine, depois de meses sem abrir.

Assim poderosa rainha, Deus está contigo.

"Longa vida e prosperidade", como diria o Spock.